Renando olhou para o estádio cheio. O povo nas arquibancadas fazia uma grande festa naquela tarde de sábado. Gritavam, aplaudiam, sopravam cornetas e afins. Entoavam o hino de seu time adorado que estava com seus jogadores enfileirados no gramado lá embaixo. Assim que o hino acabou, a algazarra foi ainda maior. Entre toda a euforia e barulho, ainda se podia distinguir um som comum. A torcida entoava um nome: "Renando! Renando!"
Aclamado pelo público, o jogador acenou em direção das arquibancadas e caminhou até o centro do campo.
Os times se preparavam e o estádio tremia ao som dos torcedores. Mas Renando estava inquieto e não era por causa do jogo.
O árbitro, com a bola embaixo do braço, se aproximou da área central. Pediu para que os capitães dos times fizessem suas escolhas quanto à moeda que seria lançada para definir quem ficava com a bola ou com o campo de sua preferência.
"Escolha!", pensou Nando e girou em torno do próprio corpo, olhando os colegas de camisa, o campo verde e a torcida agitada, gritando seu nome. Olhando para o público, deu um passo lento em direção à lateral do campo. Outro passo. Mais um. Os colegas de campo mal perceberam, mas agora Renando corria, saindo pela lateral do gramado.
A torcida, sempre atenta, levantou para acompanhar a corrida do jogador que, agora, se embrenhava no vestiário. Nando podia ouvir o som do estádio acima, reverberando nas paredes brancas do vestiário.
- Renando! - gritou o técnico enquanto seu melhor jogador abria o armário e pegava a chave do carro. - Você está ficando louco? Volte lá pra cima, agora!
- Não posso! - disse Nando e caminhou para a porta. - Preciso fazer a escolha certa desta vez.
- O clube vai te processar, seu moleque! - esbravejou o técnico. - Vai tirar tudo o que você tem com as multas do contrato. Se você passar por esta porta eu mesmo farei questão de destruir sua carreira no futebol.
Nando tinha alguns impropérios para cuspir no técnico. Foi assim que sempre aprendeu, era assim que sempre reagia. Mas algo estava diferente nele. Havia uma tranquilidade naquele momento, embora soubesse das consequências de sua atitude.
O jovem jogador parou diante do treinador, colocou as mãos em seus ombros e disse:
- Faça o que achar melhor - sorriu e saiu correndo, vestido com o uniforme de seu time.
Lá fora do estádio, desviou-se de alguns torcedores e deu autógrafos para dois mais insistentes. Entrou no carro e acelerou, conferindo a hora. "Ainda dá tempo."
A cidade passava rápida e em poucos minutos Renando estacionou o carro em frente a uma construção bonita, em forma de chalé. Enquanto corria pela lateral do prédio, ouvia pessoas cantando lá dentro. Entrou ofegante pela porta lateral dos fundos e um homem grisalho se assustou ao vê-lo entrando de supetão.
- Ainda dá tempo? - perguntou Renando.
- A... acho que s... sim - gaguejou o homem assustado e entrou para os corredores, voltando em seguida com uma túnica branca. - Vista isto e vá por ali.
Nando vestiu a túnica por cima das vestes de jogador. Tirou a chuteira e foi pelo corredor, até alcançar uma escada em espiral. Subiu e, lá no alto, viu o pastor Oséias, dentro de um tanque cheio de água.
- Vamos ter que mudar um pouco o protocolo desta sabática tarde de batismos - disse o pastor ao microfone, virou-se para Nando e estendeu-lhe a mão, para que entrasse no tanque batismal.
Segurando a mão do homem que, por seis meses, lhe dera estudos bíblicos, Renando entrou nas águas.
- Você tem certeza que quer isto? Tem certeza que está preparado? - perguntou baixinho o pastor Oséias ao jovem jogador que tinha demonstrado muito interesse e entendimento durante os estudos. Nando apenas sorriu e acenou afirmativamente com a cabeça. Lágrimas já lhe cobriam os olhos.
Oséias abraçou o aluno e falou ao microfone:
- Nós já fizemos os votos batismais e já batizamos todos os irmãos desta tarde. Até agora meu coração estava apertado, pois senti a falta deste valoroso jovem, que, no fim de nossos estudos bíblico, tinha informado seu nome para ser batizado hoje. Ele se atrasou um pouco, mas está aqui. - Oséias sorriu para um Nando encabulado, que olhava para toda a nave da igreja lá embaixo. Duas ou três centenas de pessoas sorriam para ele. - É comum fazermos o voto batismal lá embaixo, antes de nos prepararmos para o tanque, mas, com eu disse, hoje vamos quebrar esse protocolo.
O pastor fez, então, uma série de perguntas para Renando e ele disse "sim" para todas. Então pegou em seu braço e o afundou nas águas após dizer:
- Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Ao ser levantado das águas, Nando abraçou Oséias. Lá embaixo a igreja cantava e havia, no Céu, um barulho muito mais alto e infinitamente mais harmônico que aquele do estádio, pois anjos rendiam louvores por causa de mais um pecador que se achegava aos braços de Deus.
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