sábado, 30 de janeiro de 2010

Paciência - um conto de DENIS CRUZ


A mão de Fernando mergulhou na caixa de correio. Dali retirou dois envelopes pardos de conteúdo nada surpreendente.

Andou pela calçada de casa, com as encomendas nas mãos, não demonstrando muito interesse. Entrou na sala e sentou-se à escrivaninha, depositando os envelopes na mesa.

- Ele não desiste – disse para si mesmo e sorriu.


Fernando pegou um estilete e puxou para si o primeiro envelope onde se lia Casa Publicadora Brasileira. Extraiu de dentro dele a lição de escola sabatina do trimestre. Olhou para o título e ergueu uma sobrancelha, como se tivesse gostado do tema.

Levantou-se, foi até a estante ao lado da mesa e depositou o impresso ao lado de outras tantas lições que nunca tinha lido. Podia ler a data na borda da primeira lição intocada, que revelava o dia que, finalmente, deixou de freqüentar a igreja.

Lembrou-se de uma conversa que teve com o pai, há alguns anos:

- Por favor, pai, não precisa mais assinar a lição para mim. Não vou mais estudar. E também não precisa mais comprar livros para mim, também não tenho mais interesse em ler.

O velho homem ajeitou-se na poltrona, retirou os óculos e disse para o filho:

- Nando, eu não consigo entender porque você nos abandonou. Mesmo que eu soubesse, acho que não saberia falar com você a respeito. Não sou um bom falador e nem sei se teria muitos argumentos para você, que me parece tão culto e cheio de saber. Mas, quem sabe, um dia você não abra um desses livros e ache alguma coisa que te ajude a voltar.

Agora, Fernando olhava a estante abarrotada de livros, alguns até plastificados. Dez anos?, ele pensou. Nunca leu nenhuma daquelas literaturas que, quase todo mês, chegavam em sua casa. Lembrou da imagem que tinha do pai, sentado na poltrona, lendo a Bíblia ou literatura da igreja. Também lembrava de si mesmo, sentado ao lado daquela mesma poltrona, ouvindo histórias lidas pelo pai ou sentados no meio da sala, montando as parafernálias de cartolina que vinham no meio da Revista Nosso Amiguinho.

Fernando sentiu saudades daquele tempo, dos cultos familiares, dos encontros ao por do sol. Sentiu os olhos arderem ao pensar que seus filhos não teriam recordações de momentos como aquele.

Seu pai, que tantos livros mandara, jamais cobrou a leitura. Nunca perguntou sequer se continuava recebendo as revistas, a lição e os livros. O velho homem, em dez anos de persistência, apenas mandava as encomendas, nada mais.

Nando sentou-se novamente na cadeira e abriu o outro envelope. Um pequeno livro escorregou até suas mãos e ele leu o título: Volte pra casa, Filho.

Com as mãos trêmulas, Fernando pegou o telefone e discou um número conhecido.

- Alô? – atendeu uma fraca e rouca voz do outro lado.

Com lágrimas nos olhos, Fernando disse a frase que o velho homem há muito esperava:

- Pai? Estou voltando para Casa.

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